Recentemente fui apresentado a um texto na faculdade, mais especificamente
na minha aula de Antropologia, que tem como título "A roupa faz o homem: a
moda como questão" escrito pela psicóloga Denise Portinari e pela
publicitária Fernanda Coutinho. O texto faz menção ao relacionamento do jovem
com a moda, e como essa se figura no Brasil. Trata da maneira peculiar e
permissiva o comportamento do jovem e suas transformações desde os anos 50 até
hoje.
Como e de que maneira a mídia e as campanhas publicitárias afetam o estilo e
a imagem visual de cada um. Fala também sobre a vestimenta lançada pelo artista
plástico Flávio de Carvalho em 1950, uma saia estilo kilt para os homens
juntamente com uma camisa de mangas curtas e na altura da cintura, que era uma
vestimenta apropriada ao calor dos trópicos. Por ser uma época totalmente conservadora
e a regida por uma divisão social hierárquica em seus moldes de trabalho, a
imprensa taxou sua criação como uma mera façanha escandalosa de
autopromoção.
O texto vai caminhando e chega a uma cultura que exibia o não-conformismo,
que exalava valores de expressão individual, descontração, androginia humor e espontaneidade,
os corpos masculinos passam a se igualar aos corpos femininos em certas características,
e é justamente nessa fase que se dá a "Revolução do Pavão", ou seja,
uma nova e original maneira que o homem passa a lidar com a exploração de suas
roupas, usando-as de todas as formas possíveis.
Pesquisando um pouco mais a respeito do assunto aqui na internet, encontrei
uma entrevista das duas escritoras à
Revista
IHU Online, que respondeu algumas perguntas pertinentes quanto a esse novo
estilo, a essa nova aparência masculina que tem por inspiração, alguma das
vezes, o feminino. Confiram agora na integra a entrevista.
IHU On-Line - Dentro do contexto do estudo de vocês, em
específico o artigo A roupa faz o homem? Uma reflexão sobre os jovens, a
moda e os processos de subjetivação na cultura contemporânea, como os
jovens se relacionam com a moda?
Denise Portinari e Fernanda Coutinho
- Acreditamos que o tema das relações entre "os jovens" e "a moda" deve
ser abordado por meio de um questionamento inicial sobre a própria
noção de "juventude", como forma de subjetividade construída
historicamente e incorporada pelos indivíduos por meio da ação
naturalizadora do imaginário. Muito concisamente, podemos dizer que essa
categoria - o jovem - foi constituída por diversas práticas e diversos
discursos, superpostos e mesclados ao longo do tempo, desde o século
XVIII. Ela começa a ser esboçada nos discursos médico e jurídico, aos
quais se acrescentam a psicologia, sociologia, e pedagogia dos séculos
XIX e XX, sendo apropriada de forma bastante decisiva pelos discursos
ligados ao consumo e circulação de mercadorias desde meados do século
XX. É a partir daí que as "relações" entre o jovem e a moda podem
começar a ser examinadas. Neste artigo, introduzimos nesse exame um
terceiro termo, que é o da lei. O que é a moda,como "legislação", ou
seja,como código de regulação dos corpos e das condutas? Quais as
relações entre essa categoria, "os jovens", e essa forma de lei? Como
isso se articula com as outras formas da lei?
IHU On-Line - Como as características desses jovens se expressam por meio da moda que consomem? Qual é o perfil desses jovens?
Denise Portinari e Fernanda Coutinho
- O problema é que, coisas como "a expressão da identidade através da
moda", ou um "perfil" associado a certos hábitos de consumo, estamos
falando sobre a visada pelo marketing e de outros discursos ligados ao
consumo e à circulação de mercadorias, Isto é, estamos nos colocando no
lugar de quem fala de determinadas premissas, que incluem a
naturalização de formas de subjetividade e a crença em uma equivalência
entre as categorias subjetivas e as vivências individuais. Portanto, em
princípio, só podemos fazer associações entre identidades e perfis, de
um lado, e categorias, imaginários e discursos, de outro. O que é
preciso evitar aí é toda pressuposição sobre uma correspondência real
com os indivíduos.
IHU On-Line - Vocês poderiam definir as diferenças entre a moda verdadeira da moda oficial?
Denise Portinari e Fernanda Coutinho – Não sei se há
uma "moda verdadeira". O que há são modismos que surgem mais ou menos
espontaneamente, em determinados grupos, e que envolvem toda uma
estética (determinadas peças de vestuário, cortes de cabelo, acessórios,
tatuagens, gestos, entonações, objetos de uso pessoal etc.). Esses
modismos, essa estética, às vezes são apropriados pelo mercado, que os
explora e difunde, resultando, via de regra, em uma pasteurização, uma
banalização, um esvaziamento daquilo que poderia ter sido a sua força ou
graça originais.
IHU On-Line - Como podemos compreender a liberdade de
tendências suscitada pelos editoriais de moda e os códigos específicos
de cada grupo, que entendem o uso de algumas coisas como "pagar mico"?
Denise Portinari e Fernanda Coutinho
- Os editoriais de moda - que fazem parte daquilo que Barthes chamou de
"sistema de moda" - produzem toda uma retórica da liberdade,
especialmente no que concerne "os jovens", figura mítica que habita essa
mesma retórica. Todavia, a julgar-se pelo que se passa entre os
chamados "jovens", os modismos específicos dos pequenos grupos podem ser
bastante tirânicos, não deixando espaço para desvios ou divergências. O
tênis tem que ser aquele tênis, o cabelo tem que ser aquele cabelo,
etc. Os desvios e as divergências acarretam o "pagar mico", ou seja,
passar vergonha.
IHU On-Line - Vocês poderiam explicar a afirmação contida no
artigo de que o imaginário brasileiro relativo à identidade masculina se
ampliou?
Denise Portinari e Fernanda Coutinho -
Partindo da premissa de que o imaginário, como bem afirma Portinari, é o
registro pelo qual as formas de subjetividades são ofertadas aos
indivíduos, que se "colam" a essas formas, podemos afirmar que nos dias
atuais há um repertório maior de perfis de masculinidade que são
sugeridos aos indivíduos. Portanto, é só comparar a gama de modelos de
masculinidade encontrada no dias atuais com os antigos formatos
sugeridos pela tradicional sociedade brasileira, que tinha como ideal de
masculinidade um modelo menos flexível, digamos assim. Hoje, existe um
número infinitamente maior de possibilidades, que podem incluir o uso de
brincos, cabelos tingidos, culto ao corpo etc. Cabe chamar a atenção
para os guias de estilos direcionados ao homem vendidos nas livrarias:
Chic Homem - Manual de Moda e Estilo da consultora de moda. São Paulo:
Senac, 1998, de Gloria Kalil e O Metrossexual- Um manual para o homem
moderno. São Paulo: Planeta do Brasil, 2004, de Michael Flocker são
apenas alguns exemplos.
IHU On-Line - O que é a moda do "novo homem"? E o que foi a Revolução do Pavão? Há algo similar em nossos dias?
Denise Portinari e Fernanda Coutinho
- Não acreditamos na existência de um "novo homem". Quando decidimos
fazer uma reconstrução histórica para identificar este sujeito
amplamente divulgado pelos veículos de comunicação de massa, percebemos
que a preocupação com a aparência "sempre" esteve presente na vida dos
indivíduos do sexo masculino. Entretanto, as formas como manifestavam
este cuidado eram limitadas, já que o repertório era bem mais restrito.
Contudo, podemos afirmar que este "novo homem" embute uma série de
modelos resultantes de um longo processo de questionamento dos papéis
sexuais e da própria sexualidade desencadeado na sociedade ocidental
contemporânea. Já com relação à Revolução do Pavão, Valerie Steel, assim
como muitos historiadores de moda, retrata a referida revolução como
sendo, possivelmente, o período de desenvolvimento mais notável da
indumentária dos anos 1960, cujo marco é a dramática transformação da
vestimenta masculina. Neste período, o homem passou a usar estampas
extravagantes, ternos sem colarinho, calças justas, rufos, babados,
lapelas largas, camisas coloridas e psicodélicas. As roupas tornaram-se
cada vez mais unissex. Homens e mulheres passaram a freqüentar as mesmas
butiques e a comprar praticamente os mesmos produtos. Quanto ao fato de
existir algum movimento semelhante nos dias de hoje, acreditamos que
não. As tribos como as do metrossexuais e as dos emos podem ser
analisadas como pontua Lipovetsky como expressão de um traço da
personalidade, orientação cultural, estilo de vida e disposição
estética.
IHU On-Line - A despeito da "indiferenciação" proposta pelo
mercado, os jovens ainda fazem questão de conferir à moda que consomem
um papel masculino ou feminino? Por quê?
Denise Portinari e Fernanda Coutinho
- Julgamos que sim. Esta resposta poderia ser dada de inúmeras formas e
de diversos recortes. Entretanto, vamos mais uma vez recorrer ao
Lipovetski quando ele declara que a diminuição das diferenças extremas
entre homens e mulheres, não tem por objetivo alcançar a unificação das
aparências, mas apresentar uma diferenciação sutil. Por trás da
liberação dos costumes e da flexibilização dos papéis, afirma em seguida
o autor, um interdito intocável continua sempre a organizar o sistema
das aparências com uma força de interiorização subjetiva e imposição
social: vestidos e maquiagens são apanágios do sexo feminino e, por
conseguinte, rigorosamente proscritos ao homem. O masculino está
condenado a desempenhar indefinidamente o masculino.
IHU On-Line - Ser homem ou mulher hoje é uma questão de gosto?
Denise Portinari e Fernanda Coutinho
- Podemos dizer que é ainda uma questão - literalmente, pois é uma
questão que sempre permanece em aberto, de alguma maneira, na medida em
que é impossível de ser fechada, ou "resolvida", como se diz - uma
questão do desejo.
IHU On-Line - Nossa aparência virou nossa essência? Até que
ponto o culto exagerado à aparência esconde as fragilidades do ser
humano?
Denise Portinari e Fernanda Coutinho - Não
acreditamos em essência do sujeito. Diríamos apenas que sujeito é uma
obra aberta em permanente construção e a preocupação com a aparência é
mais um desses elementos que participam dessa construção. É verdade que o
discurso predominante na sociedade de consumo contemporânea é sempre
aquele que promete resolver, solucionar - obliterar - todas as questões
que sustentam essa abertura, inclusive aquelas que concernem a
aparência. Todavia, também há, ainda, na outra face desses discursos,
toda uma condenação moralista da preocupação com a aparência, o visível,
o superficial.